A abertura do mercado de energia no Brasil se dará a partir da votação do Projeto de Lei 414/2021 que ainda não tem data definida para ocorrer na Câmara Federal. Apesar da discussão avançar em passos mais acelerados, marcada pela boa notícia que beneficiará os 106 mil consumidores de alta tensão, a votação do projeto de lei deverá ficar mesmo para 2023.
Mas o que isso tem a ver com inovação? Para isso convidamos Guilherme Castro, especialista em inovação no setor de energia para trazer sua visão sobre os benefícios e desafios da abertura do mercado e sua relação com inovação aberta.
Publicada em 28 de setembro de 2022, a portaria 50/2022 agitou o setor de energia com a notícia de que mais consumidores poderão acessar os benefícios da liberalização do mercado de energia. “A possibilidade para o consumidor, seja varejo ou empresa, de escolher seu fornecedor de energia elétrica tende a favorecer o ambiente competitivo assim como trazer melhorias na prestação de serviço.” destaca Guilherme Castro.
O mercado livre de energia além de oferecer maior autonomia ao consumidor para optar quais empresas e que tipo de energia quer consumir, vai aumentar a concorrência entre empresas, com tendência de barateamento de preço na prestação de serviço e melhoria na eficiência do setor elétrico do país.
Há um estudo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) que aponta para uma economia de até 30% na conta de luz das residências quando os consumidores do grupo de Baixa Tensão puderem escolher a sua fornecedora de energia e a fonte. Segundo Guilherme Castro, no modelo atual, o consumidor acaba ficando preso ao mercado regulado, sem poder de negociação ou liberdade para buscar produtos/serviços que atendem melhor o seu perfil como consumidor.
Nosso convidado exemplifica: Pensemos um motorista de carro elétrico, que volta do trabalho e tem flexibilidade de recarregar seu carro em qualquer horário após as 9 da noite até sua hora de ir para o trabalho às 7 da manhã. Cobrar desse motorista o mesmo preço pela eletricidade que alguém que só pode recarregar no horário de pico às 6 da tarde não faz sentido. O impacto do segundo motorista sobre a rede é muito maior, uma vez que ele demandará energia em um momento de maior estresse onde a demanda agregada é elevada e nem sempre há oferta o bastante para cobrir essa demanda sem utilizar recursos de geração mais poluentes ou mais caros (como as termoelétricas).
Agora se pensarmos na outra ponta, as empresas de energia elétrica que podem competir por este cliente têm um incentivo a criarem produtos, modelos de negócio e experiências para o cliente afim garantir a fidelização. O seu fornecedor de energia deixa de ser dependente da região de concessão na qual o cliente está alocado e passa a ser diretamente ligada a fatores como preço, qualidade do serviço, atendimento e até personalização de tarifas. Ou seja, a abertura de mercado tem o potencial de aumentar a competição entre os fornecedores de energia e, consequentemente, tornar essas empresas mais inovadoras de modo a garantir a própria sobrevivência em um mercado mais desafiador que o atual.
Benefícios e desafios do mercado brasileiro com a abertura de mercado.
Para especialistas que vêm acompanhando a evolução da proposta do projeto de lei 414/2021, os principais benefícios da abertura do mercado de energia são: a modernização do setor com o aumento da competitividade entre as empresas; a aceleração da transição energética com o incentivo ao uso de fontes renováveis; e a redução dos custos da energia elétrica, além de ter a liberdade de escolha.
“Eu vejo a abertura de mercado energia como o primeiro passo para empoderar o consumidor e transformar a sua relação (normalmente passiva) com o consumo de energia. A onda do prosumidor na geração da própria energia (em sua maioria através de painéis solares) é apenas o primeiro nível da evolução na qual o consumidor terá cada vez mais itens conectados à rede e com capacidade de auxiliar seu funcionamento ativamente.” acrescenta Guilherme Castro.
No nível nacional, o Brasil tem a oportunidade de se tornar uma referência global com a modernização do mercado de energia. Por anos, o país liderou ou esteve entre as três matrizes de geração mais limpas do mundo, e esse potencial energético em sinergia com um mercado eficiente, digitalizado e democrático, poderá atrair ainda mais investimentos. O resultado é a criação de empregos de alta especialização e o fortalecimento de empresas locais que podem liderar mercados emergentes no qual o país tem vantagens competitivas, como o de hidrogênio verde ou combustíveis alternativos para indústrias de difícil descarbonização.
No entanto, Guilherme ressalta que apesar do Brasil discutir a liberalização do mercado de energia, ainda faltam tópicos essenciais para garantir uma real modernização do mercado. A liberdade de escolha do seu fornecedor de energia é apenas um passo dentro de uma mudança sistêmica de como geramos, distribuímos e comercializamos energia elétrica no país. “Temos alguns desafios a frente, mas dois para mim se destacam entre eles: segurança jurídica e política, e gestão de dados.” complementa.
Como brilhantemente colocado pelo Instituto Acende em um artigo recente, a modernização do setor elétrico brasileiro não pode ser capturada por grupos específicos e transformada em uma batalha de apenas dois lados. A própria discussão se a liberalização para clientes de baixa tensão virá através do Poder Executivo, ou se o Legislativo dará prosseguimento ao projeto de lei estacionado há um bom tempo, demonstra que o foco está longe do essencial.
De acordo com o nosso especialista convidado, as empresas precisam de uma certeza de como a transição para a abertura do mercado se dará para que comecem a se estruturar e garantir investimentos na direção correta. Por mais que os benefícios para uma maior eficiência no setor sejam grandes, a transição não acontecerá do dia para a noite. E a facilidade com que grupos influenciam o nosso processo legal, como aconteceu na lei de privatização da Eletrobrás, sem uma clara construção de valor para todo o sistema, é um berço de incertezas para empresas brasileiras e internacionais que cogitam investir no mercado brasileiro.
Guilherme Castro destaca ainda que a gestão de dados, é a área de maior potencial para empresas buscarem soluções através de programas de inovação aberta. A quantidade de dados gerados em um sistema cada vez mais interconectados cria desafios não apenas na captura destes dados, mas no armazenamento, e principalmente, em como transformá-los para criar valor ao negócio. A utilização de programas que estimulam startups ou empresas menores a proporem soluções para problemas do cotidiano do negócio permite explorar novas tecnologias, modelos e perspectivas, ao mesmo tempo em que se reduz o risco do estágio inicial e com um menor custo.
E onde entra inovação nisso tudo?
Temos percebido que as empresas do setor de energia vêm sendo impulsionadas – ou até mesmo forçadas – a inovar pela demanda e competitividade do mercado e muito em função da discussão em torno da abertura do mercado. Mas sabemos que a inovação no setor não é algo tão trivial quanto se parece.
“Por muitas vezes o inovar acaba sendo um processo mágico que trará um modelo ou produto disruptivo, mas a realidade é que modelos incrementais, ou apenas uma compreensão melhor da dor do cliente pode agregar muito valor. Times dedicados a inovação precisam ter a liberdade de falhar, e ao mesmo tempo, ter processos estruturados para retroalimentar as lições aprendidas, principalmente quando projetos falham.” ressalta Guilherme Castro.
O maior gargalo para as empresas do setor de energia de fato inovarem é a dissonância entre o discurso de inovação e a realidade dos processos dentro do dia a dia da empresa. “Estruturas que incentivam a colaboração, que quebrem as barreiras da gestão tradicional e tragam diversidade para o processo de inovação, são essenciais para que as empresas consigam realmente transformar seu modelo de operação ou ser disruptiva dentro do mercado.” recomenda Guilherme.
Dicas para estimular a cultura da inovação em empresas do setor de energia.
Guilherme Castro, especialista em inovação em empresas do setor de energia dá algumas dicas para estimular a cultura inovadora de forma mais assertiva.
Quebrar os silos dentro das empresas é o primeiro passo para estabelecer uma cultura de inovação efetiva.
Muitas empresas têm a prática de criar áreas de inovação sobrecarregadas de expectativas para se achar a nova vantagem competitiva da empresa, mas completamente desconectadas da operação e da estratégia. Ter essa integração 360 graus na qual os patrocinadores dos projetos são claros, os processos – desde a concepção até a implementação de novas ideias são simplificados e compreendidos por todos os stakeholders (incluindo os de níveis operacionais e táticos), e principalmente, a liberdade de errar até encontrar o caminho correto é legítima e não apenas uma teoria bonita de se compartilhar externamente, mas que no dia a dia não se aplica na realidade.
Um outro fator diferencial é incentivar que setores diferentes possam colaborar entre si para resolver problemas fora da sua área de expertise.
Assim como empresas de energia não podem olhar apenas para os seus pares mais inovadores ao analisar as tendências de mercado, não podemos esperar que só uma pessoa da área específica será capaz de sugerir melhores práticas dentro do seu setor. É exatamente o olhar externo, disruptivo, que muitas vezes permitirá soluções inovadoras surgirem para problemas que sempre estiveram presentes.
Empresas de energia deveriam olhar para empresas digitais como Uber, Airbnb, Nubank, quando estiverem pensando em inovação. Essas empresas transformaram seus setores implementando modelos operacionais completamente distintos de quem liderava antes delas, e de uma maneira extremamente ágil.
Empresas de energia que olharem só para o lado e enxergarem os competidores de sempre como os únicos desafiantes irão com certeza largar atrás dentro dessa transição que o setor está começando a vivenciar de forma mais acelerada.
Sobre Guilherme Castro:
Com 6 anos de experiência no setor público de Minas Gerais e um histórico de criar projetos disruptivos, Guilherme Castro mudou sua carreira para promover impacto em duas áreas pelas quais é apaixonado: Energia e Sustentabilidade. Guilherme é formado em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro, é pós-graduado em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral e tem um mestrado em Economia, Política Energética e Meio Ambiente pela University College London (premiado com a bolsa de estudos Chevening). Neste último, focou sua pesquisa em como reduzir roubo de energia em favelas em países em desenvolvimento através da utilização de sistemas fotovoltaicos. Atualmente, Guilherme trabalha como Consultor de Soluções para Energia e Utilities na Dataiku, uma empresa francesa que busca democratizar o acesso a inteligência artificial através de uma plataforma completa para aquisição, tratamento e desenvolvimento de modelos de Machine Learning. Ele também trabalhou por 2 anos como gestor de projetos de inovação na Octopus Energy e gerenciando projetos comunitários de energia solar pela Bright Renewables no Reino Unido.”