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As várias formas da mobilidade urbana

As cidades inteligentes ensinam diariamente que as soluções urbanas podem vir dos lugares e com os projetos mais inesperados, ao mesmo tempo que se tornam cases que podem ser replicados em todo o mundo. Efeitos da globalização — no melhor sentido da expressão.

Sob esse prisma, as smart cities podem ser entendidas como hubs de respostas para os dilemas que a sociedade está enfrentando devido à pandemia da covid-19. Um desses impasses envolve o planejamento de mobilidade urbana: de que forma podemos nos prevenir de doenças infectocontagiosas ao escolhermos a forma como vamos nos deslocar?

Essa mudança de paradigma na mobilidade coletiva traz implicações variadas para agências e autoridades de transporte a ponto de colocar em xeque o modelo de transporte público que temos atualmente.

Um movimento que pode inspirar cidades pelo mundo a se organizarem quando a pandemia passar é o Walk, Bike, Places, criado em 1980 em Indianápolis, nos Estados Unidos. É uma organização de caráter progressista que une ciclistas, pedestres e placemakers (realizadores urbanos, em tradução livre) dos setores público e privado, para que possam desenvolver um legado positivo para a mobilidade.

Na outra ponta, união do avanço da tecnologia e demanda por transportes mais eficientes, temos o Hyperloop, engenheiros de plantão se debruçam todos os dias apoiados nosso sonho de Ícaro.

Nessa linha o leitor precisa dar um passo atrás e relembrar do que se trata o Hyperloop: ele consiste em um veículo que viaja através de um tubo de baixa pressão, levitando a velocidades superiores a 1.000 km/hora. O modal futurista permitirá viagens na velocidade de um avião com o conforto e praticidade de um trem, o projeto não envolve apenas um meio de transporte, e sim problemas complexos e sistêmicos já existentes, além daqueles panoramas urbanísticos ainda não resolvidos que todos enfrentaremos.

O Hyperloop pode parecer algo extremamente futurista e pouco palpável, mas a tecnologia, a indústria e os investimentos estão firmemente fundamentados no cenário desta década.

Voltando “para terra”, outro assunto vem ocupando cada vez mais o debate público acerca das estratégias de mobilidade para as cidades na renovação de seu Plano Diretor, com tendência de expansão após a pandemia. A criação de associações e ONGs de pedestres e ciclistas, que exaltam as formas saudáveis e ativas de mobilidade, também pressionam o poder público a criar formas de se viabilizar o tráfego de tais modais, como a revisão da situação das calçadas.

Lançado em 2017, o livro “Cidade de Pedestres”, de Victor Andrade e Clarisse Cunha Linke, reúne relatos e experiências, brasileiras e estrangeiras, sobre a “caminhabilidade” (medida dos espaços para a circulação de pedestres) promovendo o debate sociocultural, ambiental, econômico e até de saúde sobre essa forma de se locomover. A obra foi viabilizada pelo Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP Brasil) e justifica a relevância dessa prática no trecho a seguir:

“Caminhar é a forma mais democrática de se locomover. A liberdade de movimento é inerente ao pedestre e seu caminhar. O pedestre (…) propicia vitalidade às cidades, tornando os espaços mais democráticos. No caminhar cotidiano, o pedestre se apropria do espaço construído e tem a percepção ampliada para os detalhes da paisagem.”

Já no cenário pós pandemia tanto as motos quanto as scooters elétricas aparecem como alternativas eficientes com baixo impacto ambiental, mas o preço e as formas de pagamento infelizmente ainda deixam a maioria dos brasileiros sem acesso ao modal.

Quando a gente fala em scooter, se lembra na hora das ruas de Roma e de outras grandes cidades europeias. Em relação às scooters elétricas, além da capital italiana, outras cidades da Espanha, França e Portugal foram tomadas por elas, para turistas ou pessoas viajando a negócios, que não desejam ficar paradas no trânsito, ou encarar os metrôs e para completar esse eixo ativo da mobilidade as mudanças nos modais de circulação de pessoas devido à pandemia.

A micromobilidade entra mais uma vez aqui, a VOI é um belo exemplo.

É uma startup europeia de patinetes elétricos compartilhados, está demonstrando que, apesar da crise, é possível pensarmos em um modelo de negócio rentável. Tanto que fechou seu primeiro mês de lucro em julho, na contramão da maioria das empresas do setor.

Com sede em Estocolmo, na Suécia, a VOI acelerou a regulamentação e infraestrutura em diversas cidades europeias, com governantes que se mostraram dispostos a incentivar o novo modelo de transporte individual.

Quando não ajuda, porém, a regulamentação pode emperrar bastante o avanço da micromobilidade urbana. É o caso da famosa burocracia, que frustra até mesmo a demanda elevada e os benefícios para a locomoção, reconhecidos por especialistas. “Existe imaturidade das autoridades públicas e do nosso Legislativo em relação a novidades. É preciso mais humildade para receber o novo, porque se trata de um novo modo que não polui, que é bom para o ar e para reduzir a poluição sonora, porque é elétrico”, analisou Flamínio Fichman, consultor de mobilidade urbana, em entrevista à Jovem Pan.

Por fim, é preciso aprender com os exemplos que colapsaram. No caso da Grow, segundo a própria empresa, as dívidas chegaram a R$ 38 milhões, em razão do aumento da concorrência, diminuição das margens de lucro, necessidade constante de atualização e problemas com a regulação. Isso sem falar do compartilhamento de patinetes, em si, que precisam ser higienizados após o uso.

O avanço desse modal passa também pela validação da própria indústria automobilística. Um bom exemplo é o case da Seat, que está se reinventando e produzindo seus próprios patinetes e fomentando cursos de instrução para usuários sobre como circular com segurança pelas cidades, dentro das leis de trânsito.

O uso com segurança pode ser um grande aliado no transporte individual sustentável nos grandes centros urbanos.

Finalizando com essa ponte entre o patinete dando suporte ao carro, que “ainda” é o grande astro, basedo no segmento de elétricos, a partir da metade do ano, a Tesla superou o valor de mercado de empresas tradicionais do setor automotivo, como GM, Toyota e Volkswagen. Na verdade, o valor de mercado da montadora de veículos elétricos (VE) de Elon Musk já ultrapassa a soma da GM, Ford e Fiat-Chrysler, somando US$ 185 bilhões (cerca de R$ 960 bilhões).

As ações da Tesla acumulam alta superior a 400% este ano na Bolsa de Nova York, embaladas pelo aumento da produção de carros, que superou as projeções de analistas no primeiro trimestre.

Além disso, um levantamento da Agência Internacional de Energia aponta que o total de veículos elétricos em circulação no mundo poderia saltar de 9,4 milhões de unidades para 135 milhões em dez anos – cenário esperado também para o Brasil, apesar da tímida “fatia” atual de 0,03% da frota nacional de veículos comerciais leves.

O cenário inspira o mundo da mobilidade a se perguntar: estariam os carros elétricos finalmente acelerando sua presença no mercado? Tudo indica que sim. Mas será que isso também vai acontecer no nosso país?

Atualmente, temos oficialmente 12 modelos elétricos à venda no Brasil, incluindo o Porsche Taycan e o Audi e-tron Sportback. Ao todo, os dez automóveis da categoria venderam 239 unidades no primeiro semestre, de acordo com a Abeifa, associação que reúne importadoras e fabricantes. Isso evidencia parte do problema: o alto custo dos veículos ainda é um entrave para o aumento nas vendas.

A história dos VEs no país é amplamente liderado por montadoras instaladas no Paraná, além de também serem referência a nível global – a diretora dessa área na Renault, Silvia Barcik, é entusiasta das cidades inteligentes e defende a eletromobilidade através dos benefícios para natureza com zero emissão de CO2, como para segurança e economia que os veículos elétricos podem gerar para toda sociedade.

Também no Paraná, foi inaugurada recentemente a maior eletrovia do Brasil, que percorre os 720 km entre Paranaguá e Foz do Iguaçu, com 12 eletropostos de recarga rápida, capazes de “encher” a bateria de um carro elétrico a 80% em um período de 15 e 30 minutos. O governo estadual também tem estimulado o setor com a isenção de IPVA para os elétricos desde 2019.

Outro atrativo forte dos carros elétricos envolve a sustentabilidade e o combate à poluição nas cidades. Os carros com motores à combustão são responsáveis por 24% da emissão de gases do efeito estufa gerados pela atividade humana.

Segundo declaração recente do presidente da Nissan no Brasil, Marcos Silva, a pandemia vai fazer com que as pessoas pensem em questões como sustentabilidade, onde se pensa no carro elétrico.

Isso certamente vai tornar os modelos elétricos acessíveis para mais consumidores no Brasil e no mundo. E como a grande maioria da eletricidade gerada por aqui é oriunda de fontes limpas ou renováveis, a nossa mobilidade urbana tem tudo para se tornar muito mais sustentável.

Sobre Beto Marcelino:

Beto Marcelino é manager do Smart City Expo Curitiba e embaixador no Brasil da Fira Barcelona, organizadora do Smart City Expo World Congress, maior evento do mundo de cidades inteligentes que acontece desde 2011. A frente do iCities, empresa especializada em inovação, consultoria, projetos e soluções urbanas.

Beto Marcelino é relator integrante da construção da Carta Brasileira Brasileira de Cidades Inteligentes do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) e convidado do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) no programa Cidades 4.0, para o desenvolvimento da Política Nacional de Cidades Inteligentes, é Engenheiro Agrônomo formado na Universidade Federal do Paraná e especialista em Marketing pela Fae School Business.