CEO da Bley Energias, Estratégias e Soluções, Cícero Bley Jr. afirma que é preciso criar programas e estratégias que aproveitem toda a potencialidade da biomassa no Estado
Cícero Bley Jr, especialista deste mês, é graduado em Engenharia Agronômica (UFPR) e tem mestrado em Engenharia Civil com ênfase em Gestão Territorial (UFSC). Possui vasta experiência no setor bioenergético, tendo atuado com ex-superintendente de Energias Renováveis da Itaipu Binacional (2003 a 2015), além de ser o fundador da Associação Brasileira de Biogás e Biometano – ABIOGÁS (onde é o atual Presidente Emérito) e do Centro Internacional do Biogás e Biometano – CIBIOGÁS no Parque Tecnológico Itaipu. Atualmente, é CEO da Bley Energias, Estratégias e Soluções, uma startup focada na área de mobilidade sustentável a partir do biometano. Ainda presta apoio técnico ao Conselho Temático de Energia e é secretário-executivo e proponente do Cluster FIEP de Energias Renováveis, ambos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).
Em entrevista ao NRGHUB, ele fala sobre como a biomassa é subutilizada no Paraná, principalmente a oriunda do agronegócio. Ele ressalta ainda os entraves da burocracia e falta de políticas públicas e comenta quais são as soluções para aproveitar o potencial da biomassa no estado.
Como você classificaria a biomassa no Estado do Paraná?
Cícero Bley Jr.: A biomassa faz parte do DNA econômico do Paraná, tanto a biomassa vegetal, que o Estado é tradicional produtor pela indústria da madeira, como a biomassa residual, parte integrante do maior segmento econômico do Estado, o agronegócio, desde os produtores até as agroindústrias, assim como o saneamento básico, esse assentado sob uma base de biomassa gigantesca.
O Paraná vive sob a influência da matriz econômica da biomassa e convive com os seus ônus, como a poluição hídrica e atmosférica. Porém, não se alimenta dos seus resultados bioeconômicos, seus bônus, auferindo algum resultado do seu potencial energético além dos produtos comerciais e industriais que produz. Portanto, pode-se afirmar sem medo de errar que as biomassas vegetal e residual no Paraná são recursos energéticos renováveis presentes em praticamente todas as regiões do Estado, porém são negligenciados, subaproveitados.
Quais os avanços de biomassa no Estado? E qual a relação com a produção de bioenergia?
Cícero Bley Jr.: Sob aspectos econômicos, a dependência da matriz da biomassa é significativa, porém, paradoxalmente, a bioenergia ainda é uma modalidade de emprego dos recursos naturais ligados à biomassa com uma importância marginal ou secundária para a matriz energética do Estado. Praticamente esgotamos o nosso grande potencial de geração hidráulica e temos dificuldades em utilizar os micropotenciais ainda restantes em nossos rios.
Olhamos as outras fontes renováveis para complementar a hidráulica. Corremos atrás dos modismos energéticos como os fotovoltaicos, mesmo estando numa região de transição climática, justamente no Trópico de Capricórnio, onde irradiação existe, mas já distante daquela plena encontrada no Nordeste do país, por exemplo. Dá resultado? Sim, dá, mas precisamos mais.
Vamos atrás dos ventos e os encontramos em regiões específicas como nos Campos Gerais, de Palmas a Arapoti, e nas proximidades da Escarpa Devoniana de Tibagi e cercanias, inclusive Ventania, nome suficiente eloquente para atrair investimentos em geração eólica, mas, por incrível, também um recurso energético subutilizado.
Por fim, chegamos à biomassa. As nossas principais instituições que tratam da energia, seja elétrica, térmica ou combustível, pouco têm a apresentar em iniciativas programáticas de geração com os recursos renováveis das biomassas que temos à disposição de maneira farta.
Algumas propriedades da biomassa, por exemplo, poderiam fazer parte estratégica de uma política energética, seja do país ou seja do Estado, mais nesse último, que poderia enxergá-las por estar mais perto da sua realidade. Refiro-me à situação descentralizada, ou distribuída, em que se encontra a biomassa. A energia por elas gerada encontra-se no local em que será utilizada, muito mais acessíveis, sem nenhuma necessidade de infraestrutura de transporte e, em consequência, muito mais baratas. Seu uso como fonte renovável não se resumiria a geração de ativos, como kWhora em geração elétrica, ou MMBTUs por metro cúbico de gás. Mas, por já se encontrar distribuída, a biomassa pode ser entendida como a fonte energética mais disponível entre todas as que existem em uma determinada região.
Outro atributo das biomassas é que elas são as únicas fontes armazenáveis e, por causa dessa característica, tanto servem como fontes geradoras ou como storage ou fontes de armazenamento. Até o momento, as nossas instituições investem em baterias químicas para armazenar energia, enquanto passam por cima da evidência de que biomassa, seja madeira, ou biogás, são baterias biológicas com amplas condições de armazenabilidade.
Portanto, enquanto se utiliza as energias solar e eólica, que são intermitentes, pode-se armazenar madeira ou biogás para usar quando não se tem sol, ou vento. Seriam geradoras flexíveis, assemelhando-se com a hidráulica, que armazena energia nas águas dos reservatórios, bases para uma arquitetura própria de microgrid.
Resumindo, a biomassa que é gerada em nossos sistemas econômicos pode nos levar ao futuro mais rapidamente do que imaginamos.
O Renovabio pode ser considerado um programa interessante para o desenvolvimento econômico do setor no estado do Paraná?
Cícero Bley Jr.: O Renovabio, quando em vigência em 2020, servirá para incentivar a produção e uso dos biocombustíveis. Claro que poderá incentivar o desenvolvimento do Estado, mas, o que seria capaz de promover o desenvolvimento real do Paraná é um programa do Estado que olhasse com mais atenção as cadeias de suprimento que alimentam as fontes renováveis. Todas elas: a solar, a eólica, a biomassa e a hídrica recebem atenção da gestão pública somente pelos ativos energéticos que produzem. A Copel contabiliza a eletricidade e a Compagas contabiliza o gás. Só que atrás desses dois ativos formam-se cadeias de suprimentos que começam nos planejadores e estendem-se às indústrias, seus revendedores, montadores, assistentes técnicos, revendedores de peças e insumos. Por falta de atenção a esse fato, nossos potenciais produtores de energia inibem-se por saberem que precisando de assistência técnica, precisam esperar que se desloque alguém de São Paulo até sua propriedade. E isso se repete sistematicamente para todas as fontes, independente de escala. Falta um olhar programático para o reconhecimento dessas cadeias pelas diferentes regiões do estado. Isso daria estímulo e desenvolvimento econômico induzido pelas energias renováveis.
Lembro de você ter comentado a respeito das frotas dedicadas. Como você enxerga o setor bioenergético se envolvendo na mobilidade rural e urbana? E quais os impactos disso?
Cícero Bley Jr.: O ciclo dos combustíveis derivados do petróleo está se encerrando devido às consequências negativas que o seu uso representa. São responsáveis diretos pelas emissões de gases do efeito estufa que determinam o aquecimento global. O Pacto de Paris em 2015 congregou todas as nações do mundo, menos duas, a pactuarem para reduzir essas emissões. E não há outra maneira se não a substituição dos combustíveis fósseis, gasolina e diesel. Diante desse quadro, dá para se deduzir alguns ensinamentos. A humanidade se livrará dos fósseis e sobreviverá, mas nunca mais se tornará dependente de uma só fonte de energia combustível, como o petróleo é hoje.
Frente a isto será necessário refazer os conceitos de mobilidade rural ou urbana. Teremos que ver a mobilidade de acordo com a função que fazem os veículos nela empregados e, de forma inteligente, aproveitar os combustíveis menos onerosos e menos poluentes para movimentá-los.
Ao ver a mobilidade dessa forma estaremos aplicando o conceito de especialidade aliado ao da disponibilidade para cada um dos tipos de mobilidade que queremos ter. A isso tem-se dado o nome de “frotas dedicadas”. Um caminhão que transporta galinhas, só transporta galinhas. Outro que colhe lixo, só colhe lixo. Um carro a gasolina que transporta pessoas em serviço, só transporta pessoas e assim por diante. Reconhecendo essas especialidades, vê-se que esses grupos de veículos são utilizados em circuitos recorrentes e isso quer dizer que se pode dar um tratamento específico a essa frota.
Na sua opinião, qual o Estado brasileiro mais organizado em termos tecnológicos para implantar usinas de transformação da biomassa?
Cícero Bley Jr.: Pelas estatísticas da EPE e outras vê-se que o estado que mais avança em políticas públicas de energia é São Paulo, seguido de Minas Gerais. E isso se deve ao desempenho das lideranças empresariais organizadas. O setor da cana-de-açúcar é muito ativo em São Paulo e acaba puxando os demais em busca de uma autonomia energética com segurança.
Baseado sua experiência no setor, quais são as inovações mundiais?
Cícero Bley Jr.: As inovações mundiais sempre trazem impactos positivos sobre as nações periféricas. Porém, por incrível que pareça, no caso das energias renováveis em situação distribuída o acúmulo tecnológico que acontece no Japão e na Alemanha, por exemplo, são dispensáveis em nossa situação de clima e biodiversidade tropical.
Considero que o Brasil não está imune aos avanços tecnológicos que ocorrem nesses países e por certo acabará por beneficiar-se deles, porém, em termos de clima e biodiversidade não estamos a dez vagões atrás dos países que mais avançaram. Na realidade, estamos em outro trilho. Somos o primeiro mundo em potencialidade e teremos que descobrir como podemos aliviar nossos processos de geração com renováveis, do excesso de tecnologias que neles são penduradas em países frios.
Sabemos que o setor das renováveis precisa de investimentos, mas o que você sugere mudar nas linhas de financiamento existentes para impulsionar o crescimento do setor?
Cícero Bley Jr.: O financiamento é uma parte necessária de um modelo de desenvolvimento baseado em fontes renováveis, porém, não é tudo. Ainda que, tal como me referi anteriormente, nosso acesso a fomento é mínimo.
Precisamos de segurança jurídica e políticas públicas que não sejam feitas com base nas conveniências do Estado de recolher impostos indiretos e escondidos nas tarifas de luz e combustíveis.
Precisamos de um planejamento energético regional comprometido com a economia circular e o estímulo ao desenvolvimento das cadeias de suprimentos regionais. Precisamos complementar nosso sistema de distribuição com microrredes sincronizadas com a rede atual, mas isolável quando ocorrerem desligamentos. Precisamos arejar nossos cursos de formação acadêmica e capacitação. Enfim, precisamos de um programa energético que contemple o estado e toda a sua potencialidade energética e humana.