O contexto do Nexo Água-Energia-Alimentos no cenário do biogás e biometano
O aumento populacional previsto para os próximos anos tem elevado a preocupação dos países com relação ao meio ambiente e formas mais sustentáveis de ampliar as cidades. O relatório “Perspectivas da Urbanização Mundial” (World Urbanization Prospects), produzido pela Divisão das Nações Unidas para a População do Departamento dos Assuntos Econômicos e Sociais, da ONU (2019), aponta que a população global deverá chegar a 8,5 bilhões em 2030, 9,7 bilhões em 2050 e 10,9 bilhões em 2100, representando grandes desafios para a gestão das cidades.
De acordo com o relatório, há 100 anos, apenas 10% da população mundial vivia nas cidades. Hoje este índice é de 50% e tende a aumentar nos próximos anos, chegando a 75% até 2050. Esse cenário indica que três quartos da população mundial passarão a ocupar áreas que hoje são cobertas por vegetação, devastando matas para criar espaços diminutos de sobrevivência, possivelmente, utilizando recursos naturais sem restrição e poluindo o ar, o solo e as águas. Isso acarreta significativo crescimento na demanda por novas infraestruturas, elevação no consumo de energia e de água, além de outros problemas relacionados aos aspectos sociais e culturais, implicando em desafios ao poder público e privado, gestores ambientais e cidadãos. E neste contexto, o conceito de nexo alimento-água-energia se torna cada vez mais importante à medida que a natureza complexa e inter-relacionada desses recursos globais é compreendida e a necessidade de uma gestão mais coordenada desses ativos em todos os setores e escalas é cada vez mais evidente.
A água é necessária para a produção de quase todas as formas de energia. Para combustíveis primários, a água é utilizada na extração de recursos, irrigação de matérias primas para biocombustíveis, refino e processamento de combustíveis e transporte. Na geração de energia em usinas térmicas, por exemplo, a água fornece o resfriamento e outras necessidades relacionadas com o processo. No caso das hidroelétricas, os equipamentos aproveitam o movimento das águas para a produção de eletricidade.
Já a produção de alimentos está diretamente ligada ao consumo de água e energia e, se não houver uma boa gestão dos resíduos, acaba por poluir os corpos hídricos. Por isso a importância da abordagem desse nexo, identificando as possíveis sinergias entre esses 3 elementos.
A relação entre o NEXO e a Cadeia de Biogás
O biogás representa uma fonte de energia renovável e sustentável, sendo obtido a partir do tratamento de resíduos vegetais, animais, humanos e industriais, amplamente disponíveis em uma ou mais dessas formas em qualquer cidade. É composto principalmente por metano (CH4), que é 21 vezes mais poluente do que o dióxido de carbono (CO2) quando lançado na atmosfera. As emissões de CO2, que são liberadas na atmosfera durante a combustão do biogás e biometano, são iguais à quantidade de dióxido de carbono que é emitida durante a decomposição natural da matéria orgânica original. Com isso, o perfil negativo da intensidade do carbono aparece à medida que a purificação do biogás em biometano reduz o teor de CO2 e não será lançado na atmosfera, demonstrando seu elevado grau de descarbonização.
Além disso, os sistemas de geração de biogás têm potencial para transformar passivos ambientais em ativos econômicos, por meio da conversão em energia elétrica, térmica e para uso veicular, além de proporcionar maior segurança energética. Quando purificado, o biogás pode ser convertido em biometano, que pode auxiliar na diversificação da matriz energética em substituição aos combustíveis fósseis, principalmente para mobilidade urbana mais sustentável.
A transição para combustíveis de baixo carbono nos sistemas de transporte urbano parece ser inevitável. A dependência histórica de combustíveis fósseis como fonte primária de energia para a urbanização pós-industrial está sendo fortemente questionada, dada a disponibilidade cada vez menor de petróleo e as consequências sociais, econômicas e principalmente ambientais de seu uso generalizado.
Em 2019, as reservas de petróleo conhecidas no mundo atingiram 1,7 trilhão de barris, permanecendo no mesmo nível de 2018, com uma pequena queda de 0,1% (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, 2020). O petróleo, embora finito, nunca se esgota inteiramente, pois sempre haverá uma quantidade que, por razões puramente econômicas, não será extraída. O conceito de “esgotamento” da reserva de petróleo se aplicaria à disponibilidade de petróleo a um preço viável em comparação com fontes alternativas de energia. Mesmo assim, considerando um consumo global em torno de 95 milhões de barris / dia (ANP, 2020), as reservas mundiais conhecidas/identificadas se esgotariam em cerca de 50 anos, demonstrando a necessidade de diversificação e substituição dessa fonte por fontes renováveis e mais sustentáveis.
As consequências ambientais diretas e indiretas da exploração e uso massivo de combustíveis fósseis tem sido um argumento cada vez mais importante na sociedade e a busca por fontes alternativas de energia com menor impacto tem levado diversos países a investirem recursos significativos, principalmente nas últimas três décadas. E nesse cenário o biogás e biometano se destacam, sendo uma fonte intrinsicamente relacionada ao nexo água-energia-alimentos e tendo diversos impactos positivos nas questões ambientais, econômicas, sociais e tecnológicas. Deve-se destacar os impactos positivos para o desenvolvimento social local, uma vez que o processo de produção de biogás e biometano constitui e sustenta uma cadeia produtiva relativamente complexa, exigindo mão de obra local especializada, apoio técnico e científico, e conscientização e empoderamento da população local relacionada aos processos.
Nesse contexto, o nexo água-energia-alimentos explora interfaces de vários setores e em várias escalas, levando em consideração as configurações locais, regionais e transfronteiriças e as compensações e sinergias criadas pelo uso competitivo de recursos e agendas políticas, exigindo coordenação intersetorial e transversal para a integração e gestão de recursos e governança ambiental.
Sobre Janaina Camile Pasqual Lofhagen:
Doutora em Gestão Urbana (PUCPR), com doutorado sanduíche na Universidade do Arizona (EUA). Pós Doutorado em Gestão Urbana na PUCPR e University of Central Florida (EUA). Mestre em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territorial pela UFSC. Graduada em Relações Internacionais e em Administração de Empresas. Atuou como Supervisora de Negócios da Granja São Roque (primeira propriedade rural a gerar energia elétrica a partir do biogás dos dejetos de suínos, em SC). Foi consultora em Gestão Pedagógica da Fundação Parque Tecnológico Itaipu e do Centro Internacional de Energias Renováveis Biogás (CIBiogás), participando da estruturação e implantação de Cursos a Distância. Foi pesquisadora da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), atuando na análise de ambientes urbanos mais sustentáveis e fontes renováveis de energia. Foi consultora da UNIDO e atualmente é professora de Pós Graduação na PUCPR e UTFPR. Tem diversas parcerias nacionais e internacionais relacionadas a energias renováveis e smart cities, com foco na gestão urbana mais sustentável e mobilidade urbana sustentável.