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O motor da vida perdendo peças | Clóvis Borges

Chegaremos em mais poucos anos aos oito bilhões de habitantes ocupando o Planeta. Com discrepâncias bastante significativas e injustas no que se refere às nossas condições de vida, estamos todos emaranhados intimamente com um incontável número de condicionantes impostos pelo ambiente onde vivemos.

Como sabemos, esta rede de conexões se refere não apenas às questões de relacionamento social, onde lutamos por espaço e uma condição de vida com qualidade e bem estar. Os diferentes aspectos que influenciam nosso dia a dia estão conectados principalmente com o que acontece com a natureza ao redor.

O excesso de arrogância, o que inclui uma percepção equivocada de que podemos ignorar os limites da natureza, ainda move o comportamento indiscriminado de nossa espécie em relação a exploração dos recursos naturais. Adotamos uma fórmula de desenvolvimento baseada no crescimento contínuo, embora o esteja bastante evidente que o planeta é um só. E estamos mantendo esta lógica para direcionar nossas ações.

Esta percepção bastante óbvia dos limites da natureza, ainda não está inserida como condicionante em agendas de controle adequadas. O uso indevido de nosso patrimônio natural, muito acima dos limites, gera, por consequência, enormes desequilíbrios sociais e econômicos. Como temos sido informados, a degradação ambiental contínua avança sobre as últimas áreas naturais ainda bem conservadas, ameaçando a biodiversidade.

Salvo para os seguidores do terraplanismo negacionista, certamente é mais tangível o entendimento sobre as consequências mais tangíveis do fenômeno das mudanças climáticas, como os eventos extremos. Mas a perda da biodiversidade – ou seja, da diversidade de espécies e de paisagens existentes no planeta – é uma ocorrência tão ou mais perniciosa do que as alterações climáticas, para a espécie humana, além de serem fatores que se potencializam entre si.

Para exemplificar as consequências da extinção de espécies que estamos causando, basta imaginar uma fábrica onde existe uma máquina bastante complexa recebendo matérias primas e processando-as na forma de serviços e produtos. Se houver uma retirada constante de peças desta máquina, chegará um momento que ela não conseguirá seguir a produzir, simplesmente parando de funcionar.

No caso da biodiversidade vem ocorrendo a mesma coisa. Embora nossa postura ainda seja de ignorar grosseiramente a realidade, nossas ações estão provocando uma perda cada vez maior da condição da natureza nos aportar seus serviços ecossistêmicos. Estes serviços são incontáveis e representam elementos absolutamente fundamentais para a nossa qualidade de vida e para a manutenção dos negócios em geral. A água, talvez, o mais evidente de todos eles. Mas segue uma longuíssima lista de insumos, alguns dos quais passamos a prescindir, tamanho avanço deste cenário de degradação.

Se não tivermos a responsabilidade e o discernimento comum da necessidade de manter e restaurar em condições adequadas o patrimônio natural em que estamos inseridos, este motor gigantesco continuará a perder a sua condição ideal de funcionamento, reduzindo e paralisando partes de suas produções. Com uma perspectiva bastante concreta de atingir uma condição de inviabilidade. Para os que ainda entendem que esforços de conservação da biodiversidade representam ações dispensáveis, românticas e contrárias ao desenvolvimento, já passou da hora de revisar os conceitos.


Sobre o autor:

Clóvis Borges – diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
Formado em Medicina Veterinária e com Mestrado em Zoologia. Diretor executivo da SPVS, instituição que atua em parceria com atores públicos e privados, no campo da conservação da natureza. É fellow da Ashoka, afiliado à Fundação Avina, membro do Conselho Consultivo do FUNBIO e vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto LIFE, instituição que gere a Certificação LIFE. Também integra o quadro do Observatório de Justiça e Conservação e Instituto Rã-bugio. Ainda é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, promovida pela Fundação Grupo Boticário. Desde 2017, Clóvis também lidera a Grande Reserva Mata Atlântica, iniciativa que promove a conservação do maior contínuo do bioma, sob a metodologia de Produção de Natureza.