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Perspectivas para o mercado de energia em 2023

Em um ano que promete ser crucial para a reforma do setor elétrico brasileiro, a “tendência número 1” de 2023 na área de energia deve ser a abertura do mercado, uma das mudanças mais importantes para a pauta da economia no Brasil. A afirmação é de Fabiola Sena, co-founder da Head Energia e CEO da FSET Consultoria em Energia, a Especialista do Mês na programação do Energy Connection.

Em entrevista ao Energy Connection, ela falou sobre o tema “Perspectivas para o Mercado de Energia em 2023”. Além da abertura do mercado, a consultora também destacou o crescimento da autoprodução por equiparação e os aprimoramentos legais e regulatórios necessários para destravar os primeiros projetos de produção de hidrogênio verde via eólicas offshore no Brasil, com o olhar voltado à exportação.

Mercado Livre de Energia Elétrica

Com um cenário atual de apenas 30 mil ou 0,03% dos 89 milhões de consumidores brasileiros no mercado livre de energia, o ano começa com a expectativa sobre a implantação da portaria 50/2022, já publicada pelo Ministério de Minas e Energia e que concede o direito da escolha de fornecedor de energia a todos os consumidores de alta tensão a partir de janeiro de 2024. A medida deve incluir 106 mil novas unidades no mercado livre de energia no ano que vem.

Mas a principal discussão a respeito da mudança está no avanço do projeto de lei 414/2021, que prevê a modernização do setor elétrico, com mudanças na regulação do mercado para que todos os consumidores possam optar por seu fornecedor de energia elétrica. A proposta já passou pelo Senado, aguarda votação na Câmara Federal e deve iniciar o processo de definição das regras e cronograma para a abertura a todos os consumidores de baixa tensão do país a partir de 2026.

Segundo Fabíola Sena, “até os mais recém-chegados no setor elétrico enchem os pulmões para falar da abertura do mercado, mas é importante saber que a flexibilização dos limites é a cereja do bolo. Mas sem bolo, não há cereja”. Ela explica que a abertura de mercado tem efeitos importantes sobre os portfólios das distribuidoras, “que compram energia em nome de um consumidor que no futuro pode não estar mais na sua base, elevando o risco de sobrecontratação e onerando o consumidor que fica”. E, a isso, deve-se somar o crescimento exponencial da micro e minigeração distribuída.

De acordo com cálculos da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia, a Abraceel, a abertura do mercado de energia elétrica pode resultar em uma economia de 18% na conta de energia elétrica e liberar mais de R$ 20 bilhões para a compra de bens e serviços. Mas a mudança também deve ter impacto sobre a tarifa dos consumidores que optarem por não migrar ou que não puderem migrar para o ambiente de contratação livre, especialmente os consumidores de baixa renda. “O atual modelo de contratação de usinas termelétricas no Brasil é viabilizado por meio de contratos por disponibilidade, em que o empreendedor recebe uma receita fixa e se compromete a manter a usina disponível. Esses contratos só se viabilizam no Ambiente de Contratação Regulada, pois suas especificidades os tornam não atrativos para o mercado livre. Ocorre que a segurança proporcionada pela adição estrutural dessas usinas ao sistema é um ‘bem comum’, ou seja, todos os consumidores tiram partido deste benefício”, defende Fabiola Sena. Com uma matriz baseada somente em recursos não controláveis, como as fontes eólicas e solares, não existe a mesma segurança, segundo a consultora.

No mercado aberto, o consumidor continua a receber energia transportada pelas transmissoras e distribuidoras, portanto esses segmentos seguem remunerados da mesma forma. É a escolha do fornecedor que passa a ser do cliente. Pela lógica da livre concorrência, o que se espera é a redução de custos e aumento da eficiência. Os preços mais competitivos devem ser viabilizados com a negociação de condições como volume e tempo de fornecimento. Um exemplo de personalização seria o fornecimento de energia mais barata no período da madrugada, o que poderia representar economia para indústrias ou até mesmo serviços com produção noturna, fora dos horários de pico de consumo energético.

Porém, de acordo com Sena, até recentemente, o controle sobre os tipos de fontes adicionadas ao sistema era totalmente feito pelo Estado, que realizava leilões para atendimento do ambiente regulado. “Se, no limite, todos os consumidores migrarem, não haverá mais leilões no ACR e a política energética ficaria a cargo das decisões de expansão voltadas ao mercado livre”, pondera. “O dilema é garantir que o bolo continue agradável ao paladar de todos. Afinal, não há cereja capaz de adoçar um bolo amargo”, conclui.

Outra tendência destacada por Sena ao EC é o crescimento da autoprodução por equiparação, um modelo de negócio que permite otimizar os custos de alguns encargos por parte dos consumidores interessados em produzir a energia para consumo próprio. “Nesse contexto, vejo grande espaço para a hibridização de parques existentes e a construção de novos parques já híbridos, sobretudo o mix eólica e fotovoltaico, mas também com aproveitamento de reservatórios de hidrelétricas utilizando solares flutuantes”, avalia a especialista.

A regulamentação da hibridização das fontes de energia permite o uso de variados tipos de geração de energia em um único sistema. A associação de hidrelétricas à geração de energia solar fotovoltaica, por exemplo, pode aumentar a capacidade de geração. “A regulamentação da hibridização surgiu no final de 2021 e é uma importante ferramenta para a otimização de recursos e de infraestrutura”, lembra.

Hidrogênio verde em eólicas offshore

Como terceira tendência para 2023, apontada pela consultora, está o avanço da legislação e regulação da produção do hidrogênio verde em eólicas offshore, principalmente para fins de exportação para países da Europa e EUA. Com mais de 7 mil km e 3,5 milhões km² de espaço marítimo sob sua jurisdição, o Brasil tem as características favoráveis à instalação e operação de plantas eólicas em alto mar. E, como o hidrogênio verde é produzido a partir da eletrólise – processo que demanda bastante energia – as eólicas despontam como uma das principais alternativas à queima de combustíveis fósseis para a produção do “combustível do futuro”. A energia eólica offshore é captada de megaestruturas instaladas em águas não muito profundas e áreas afastadas da costa. Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), caso todo o potencial eólico brasileiro seja explorado, a perspectiva é que a produção de energia eólica anual no país atinja 700 GW.

Sobre Fabiola Sena:

Fabiola Sena é fundadora da FSET, consultoria especializada em regulação e mercado de energia, e co-fundadora da Head Energia, a primeira edtech brasileira especializada no setor elétrico. Engenheira eletricista com mestrado e doutorado em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atuou 20 anos como executiva e C-level em multinacionais dos segmentos de geração centralizada e comercialização (Engie e Statkraft). Possui 30 anos de experiência em mercados de energia, regulação, inteligência de mercado e assuntos governamentais. Atualmente é professora nos MBAs do setor elétrico da FGV e da FISUL.