Tendências no setor de energia para 2021
O ano de 2020 foi marcante em muitos aspectos. A pandemia de Covid-19 também não passou despercebida no setor energético. As medidas de isolamento social impactaram a atividade econômica e, consequentemente, a demanda de energia, tanto combustíveis como eletricidade. Todavia, os mercados energéticos e sistemas elétricos se mostraram resilientes. Políticas para atenuação dos impactos socioeconômicos e manutenção da segurança energética foram adotadas.
Passada uma fase mais aguda e de maiores incertezas, embora ainda sem um desfecho bem definido para a crise do coronavírus, é momento oportuno de mirar no futuro. Dois instrumentos elaborados pela EPE se mostram úteis para nortear nossas perspectivas e orientar ações, tanto no setor público como no privado: o Plano Nacional de Energia 2050, aprovado pelo Ministério de Minas e Energia em dezembro de 2020, e o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, colocado em consulta pública pelo mesmo Ministério e no mesmo mês.
Com base nesses dois instrumentos, e num conjunto de iniciativas públicas e privadas em curso, destaco alguns pontos que merecem a atenção do mercado em 2021.
Janeiro de 2021 marca a estreia, no mercado atacadista de energia elétrica, da formação de preços em base horária, evoluindo a partir de sistema de preços em base semanal. Esse avanço ocorre após muito debate, aprimoramentos técnicos e mais de 18 meses de preço sombra desde essa decisão de aumentar a granularidade desse importante sinal econômico.
Com essa mudança, aqueles agentes que melhor souberem fazer a gestão da sua demanda e/ou oferta terão oportunidade de auferir ganhos de competitividade. Essa mudança torna os preços mais coerentes com a efetiva dinâmica de oferta e demanda e, portanto, dos reais custos do sistema, de forma que o comportamento e as escolhas dos agentes possam ser mais eficientes. Em termos práticos, sinais mais efetivos para provocar a resposta da demanda e, pelo lado da oferta, aperfeiçoar a competitividade relativa das várias fontes, com ganhos sistêmicos, principalmente no médio e longo prazos.
Ainda no setor elétrico, o Congresso Nacional deve avançar no debate sobre as necessárias mudanças no arcabouço legal que definem o desenho do mercado, para que possamos ter um ambiente mais compatível com a profusão de novos modelos de negócios e tecnologias que vêm emergindo no curso da transição energética.
Enquanto isso, seguimos viabilizando a expansão da geração com os instrumentos vigentes. Para 2021, foi anunciada a retomada dos leilões de “energia nova”, após sua suspensão durante os primeiros meses de pandemia. Com um ambiente menos turvo quanto às perspectivas de crescimento da demanda, as distribuidoras deverão voltar a declarar necessidade para atendimento a seus mercados cativos nos anos futuros, criando condições para investimentos no aumento da capacidade instalada. Nesse contexto, as fontes renováveis, com destaque para a eólica e a solar fotovoltaica, assumem grande protagonismo, pelos seus méritos econômicos e contribuição para a redução das emissões de carbono.
Outra tendência é a continuidade no crescimento do mercado livre e da autoprodução de energia elétrica, em ambiente que se beneficia dos consistentes ganhos de competitividade das fontes renováveis ao longo dos anos e da atual alocação de custos do setor. Aliás, no contexto de um processo gradual de abertura do mercado a ser seguido, é praticamente inimaginável que não caminhemos no sentido de um mercado livre que alcance consumidores na baixa tensão, consumidores residenciais, como eu, como você. A digitalização está reduzindo drasticamente os custos de transação e a possibilidade de customizar, a baixo custo, soluções e serviços energéticos para cada perfil de consumidor.
Até 2030, o mercado livre, cada vez mais dinâmico e abrangente, alavancado pelas reformas em debate e pelo avanço da digitalização, deve incorporar também os recursos energéticos distribuídos como parte do portfólio de soluções, em combinação com as usinas centralizadas e o sistema de transmissão. Empresas inovadoras têm experimentado modelos de negócios que integram a comercialização de energia a outros serviços, como geração distribuída, resposta da demanda, eficiência energética, armazenamento, usinas virtuais, entre outros.
Os recursos energéticos distribuídos seguem ganhando força. Por um lado, a resposta da demanda, isto é, a capacidade de consumidores variarem sua demanda conforme os sinais econômicos, ainda não deslanchou no Brasil. A experiência internacional, todavia, traz evidências fortes de que a resposta da demanda pode trazer muito valor ao mercado, e devemos esperar que a regulação para avance no Brasil. Por outro lado, a geração distribuída segue em franca expansão, e de acordo com projeções da EPE, representa um mercado de R$ 50 bilhões em investimentos nos próximos 10 anos. Não obstante, a adequada alocação de custos e benefícios da geração distribuída ainda é tema de embates.
Para além do setor elétrico, chamaria atenção para mudanças no mercado de gás natural e no mercado de biocombustíveis no Brasil.
No primeiro caso, a aprovação de novo arcabouço legal pelo Congresso deve ampliar o espaço para investimentos, que tem potencial diversificado de usos, podendo ser fator relevante de competitividade para setores industriais e para a redução da pegada de carbono pela substituição de consumo de mais emissores, como diesel e coque, no próprio setor industrial, mas também nos transportes de carga de longa distância. Além de ambiente regulatório mais favorável a novos entrantes e ampliação da competição, pressionando para a redução de ineficiências, há potencial para aumento da oferta de gás, principalmente pela produção nacional e pela importação de gás natural liquefeito.
No caso dos biocombustíveis, o ambiente combina o momento de implementação do RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis) e seu mercado de CBIOs (créditos de descarbonização por biocombustíveis), com metas para os próximos 10 anos. Destaco ainda a perspectiva de avanços tecnológicos em bioenergia e biomateriais e sua aplicação em mercados ainda dominados pelos derivados do petróleo, como aviação e navegação.
Na interface entre o gás natural e os biocombustíveis, está o enorme potencial do biogás e biometano (biogás purificado a nível similar ao gás natural de origem fóssil). Esse potencial decorre na possibilidade de aproveitamento energéticos dos resíduos da agropecuária em quase todo o território nacional, independente de infraestrutura de gasodutos, o que pode ser consultado no SIEnergia, sistema público da EPE que permite conhecer em detalhes esse potencial. O biogás pode ser utilizado na geração de energia elétrica, principalmente em pequenas usinas, ou em frotas de tratores, caminhões ou ônibus, apenas para citar alguns exemplos. O preço das tecnologias de produção e uso de biogás também tem se tornado mais acessível e é uma importante forma de aumento da sustentabilidade ambiental.
Por fim, há uma grande movimentação de países e empresas para consolidarem novos mercados que prometem viabilizar a transição energética a partir da redução da pegada de carbono em setores chamados “difíceis de descarbonizar”, como segmentos industriais e transportes. Há um rol diversificado de possíveis combustíveis renováveis ou de baixo carbono que se somam aos biocombustíveis. O hidrogênio tem despontado como grande “celebridade” nesse contexto. Há uma onda de novas estratégias nacionais de hidrogênio sendo anunciadas e uma corrida para marcar posição em países com melhores recursos para a produção competitiva do hidrogênio de baixo carbono ou renovável. O Brasil está na mira.
O hidrogênio pode ser produzido a partir de diversas fontes e por diversas rotas tecnológicas, conferindo uma grande versatilidade ao seu uso como “portador energético” (carrier, em inglês), sendo capaz de substituir usos finais diretos de combustíveis fósseis na indústria, nos transportes e até no setor elétrico. O custo elevado ainda é uma barreira, mas a expectativa de muitos é que os custos caiam fortemente nos próximos anos, embora a conta de subsídios até que isso se confirme não seja desprezível.
O Brasil pode se contentar em ser importador de tecnologias e exportador de hidrogênio como commodity para indústrias no exterior. Mas o país pode muito mais do que isso. O Brasil tem uma ativa comunidade de pesquisa e desenvolvimento em hidrogênio e tem potencial para ser um ator de primeira linha nesse mercado, com empresas focadas em inovação tecnológica, e tirando proveito da abundância e diversidade de recursos energéticos de que dispõe o país para gerar efetiva criação e desenvolvimento socioeconômico no ritmo da transição energética.
O ano de 2021 nos guarda muitas oportunidades no setor de energia. Que escolhas faremos?
Sobre Thiago Barral:
Atual Presidente da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, Thiago Barral é Engenheiro Civil de formação e funcionário de carreira da EPE desde 2007. Na sua trajetória na EPE, desenvolveu trabalhos que vão desde a definição de diretrizes e cálculo de preço-teto para os leilões de energia e planejamento do suprimento aos sistemas isolados, até estudos de mercado e demanda de energia, geração distribuída e eficiência energética, passando por estudos socioambientais associados à expansão da infraestrutura de energia.